“A maioria dos políticos brasileiros enriquece, sem que para isso tenha herdado fortuna, ganho na loteria ou feito uma carreira profissional brilhante em alguma área produtiva” (Revista Veja, pg. 87, edição 2230 de 27/08/2011).
– Revendo um antigo livro, dos tempos da faculdade, do ilustre professor Darcy Azambuja, me deparei com um enxerto do escritor Miguel Elias Reclus que, de maneira realista, pitoresca e sarcástica, bem denotou como nascem o Direito e o Estado, sendo que este último sempre esteve consorciado com a violência, egoísmo e a escravidão, o que para mim é inquestionável até prova em contrario e muito bem fundamentada para que possa ser aceita.
– Outrossim, mesmo nos tempos atuais a violência, a escravidão, a exploração econômica e o egoísmo evoluíram, utilizando-se de mecanismos bem mais sutis do que outrora para as conquistas de um povo e das suas riquezas, principalmente através da corrupção, mola mestra para muitas corporações (corporatocracia e cleptocracia), além, é obvio, do crime organizado, o qual está cada vez mais fortalecido pela globalização.
– Para tanto, transcrevo o mordaz e irônico texto do ilustre Reclus:
“- Um atrevido, homem de idéias e de punhos, descobre um rochedo que domina um desfiladeiro entre dois vales férteis; aí se instala e se fortifica. Assalta os transeuntes, assassinando alguns e roubando o maior número. Possui a força; tem, portanto, o Direito.
– Os viajantes, temendo a rapinagem, ficam em casa ou fazem uma volta. O bandido então reflete que morrerá de fome, se não fizer um pacto. Proclama que os viandantes lhe reconheçam o direito sobre a estrada pública e lhe paguem pedágio, podendo depois passar em paz. O pacto é concluído e o astuto enriquece. Eis que um segundo herói, achando bom o negócio, esgarrancha-se no rochedo fronteiriço. Ele também mata e saqueia, estabelece “seus direitos”. Diminui assim as rendas do colega, que franze o cenho e resmunga na sua furna, mas considera que o recém-vindo tem fortes punhos. Resigna-se ao que não poderia impedir; entra em combinação. Os viageiros pagavam um, terão agora que pagar dois: todos precisam viver!
– Aparece um terceiro salteador, que se instala numa curva da estrada. Os dois veteranos compreendem que abrirão falência se forem pedir três soldos aos passantes, que, só tendo dois para dar, ficarão em casa, em vez de arriscar suas pessoas e bens. Arremessam-se sobre o intruso, que desancado e machucado, foge campo a fora. Depois, reclamam dos viajores dois vinténs suplementares, em remuneração pelo trabalho de expulsar o espoliador e pelo cuidado em não deixar que ele volte. Os dois peraltas, mais ricos e poderosos do que antes, intitulam-se agora “Senhores dos Desfiladeiros”, “Protetores das Estradas Nacionais”, “Defensores da Indústria”, “País da Agricultura”, títulos que o povo ingênuo repete com prazer, pois agrada-lhe ser onerado sob o pretexto de ser protegido. Assim – admirai o engenho humano! – o banditismo se regulariza, se desenvolve e se transforma em ordem pública. A instituição do roubo, que não é o que o vulgo pensa, fez nascer à polícia.
– A autoridade política, que ainda nos diziam ser emanação do Direito Divino e benefício da Providência, constitui-se a pouco e pouco pelos cuidados de salteadores patenteados, pelos esforços sistemáticos de malandrins, homens de experiência […]” (Reclus – Les Primitifs, citado por E. Picard – Lei Droit Pur, pág. 288). (AZAMBUJA, DARCY. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Globo, 1988, p. 103-104).
Sobre JVilsemar Silva
Formação em Ciências Humanas (Direito) pela UEPG- Especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil, Segurança Pública e Metodologia do Ensino Superior - Téc. em Criminologia (POR) e Vitimologia (POR), Ext. em Psicopatologia e Suas Interfaces.